ago 192012
 

(Pablo Neruda)

Acontece que me canso de ser homem.
acontece que entro nas alfaiatarias e nos cinemas
murcho, impenetrável, como um cisne de feltro
navegando numa água de origem cinza.

O cheiro das barbearias me faz chorar aos gritos.
Só quero um descanso de pedras ou de lã,
só quero não ver mais estabelecimentos ou jardins,
nem mercadorias, nem óculos, nem elevadores.

Acontece que me canso dos meus pés e das minhas unhas
e do meu cabelo e da minha sombra.
Acontece que me canso de ser homem.

No entanto seria delicioso
assustar um notário com um lírio cortado
ou dar a morte a uma freira com um golpe de orelha.
seria belo
ir pelas ruas com um punhal verde
e dando gritos até morrer de frio.

Não quero continuar sendo raiz nas trevas,
vacilante, estendido, tiritando de sono
para baixo, nas tripas molhadas da terra,
absorvendo e pensando, comendo cada dia.

Não quero para mim tantas desgraças.
não quero continuar de raiz e túmulo,
de subterrâneo solitário, de adega com mortos,
inteiriçado, morrendo de aflição.

Por isso a segunda-feira arde como o petróleo
quando me vê chegar com a minha cara de prisão,
e uiva no seu transcurso como roda ferida,
e dá passos de sangue quente em direção à noite.

E me empurra para certos recantos, para certas casas úmidas,
para hospitais de onde os ossos saem pela janela,
para certas sapatarias com cheiro de vinagre,
para ruas horríveis como gretas.

Há pássaros cor de enxofre e horríveis intestinos
pendurados nas portas das casas que odeio, há
dentaduras esquecidas numa cafeteira,
há espelhos,
que deviam ter chorado de vergonha e espanto,
há guarda-chuvas por todas as partes, e venenos e umbigos.

Eu passeio com calma, com olhos, com sapatos,
com fúria, com esquecimento,
passo, cruzo escritórios e lojas de ortopedia,
e pátios onde há roupas penduradas num arame:
cuecas, toalhas e camisas que choram
lentas lágrimas sujas.

Sorry, the comment form is closed at this time.