«AS MULHERES TÊM FIOS DESLIGADOS
-António Lobo Antunes
–
Há uns tempos a Joana
-Pai, acabei um namoro à homem
Perguntei como era acabar um namoro à homem e vai a miúda
– Disse-lhe o problema não está em ti, está em mim
O que me fez pensar como as mulheres são corajosas e os homens cobardes. Em primeiro lugar só terminam uma relação quando têm outra. Em segundo lugar são incapazes de
-já não gosto de ti
De
-não quero mais
Chegam com discursos vagos, circulares
-preciso de tempo para pensar
-não é que não te ame, amo-te, mas tenho de ficar sozinho umas semanas
Ou declarações do género de
– tu mereces melhor
-estive a reflectir e acho que já não te faço feliz
-necessito de um mês de solidão para sentir a tua falta
E aos amigos
-dá-me os parabéns que lá consegui livrar-me da chata
-custou mas foi
-amandei-lhe aquelas lérias do costume e a gaja engoliu
-chora um dia ou dois e passa-lhe
E pergunto-me se os homens gostam verdadeiramente das mulheres. Em geral querem uma empregada que lhes resolva o quotidiano e com quem durmam, uma companhia porque têm pavor da solidão, alguém que os ampare nas diarreias, nos colarinhos das camisas e nas gripes, tome conta dos filhos e não os aborreça. Não se apaixonam: entusiasmam-se e nem chegam a conhecer com quem estão. Ignoram o que ela sonha, instalam-se no sofá do dia a dia, incapazes de introduzir o inesperado na rotina, só são ternos quando querem fazer amor e acabado o amor arranjam um pretexto para se levantar (chichi, sede, fome, a janela de que esqueceram de fechar o estore ) ou fingem que dormem porque não há paciência para abraços e festinhas, pá e a respiração dela faz-me comichão nas costas, a mania de ficarem agarrados à gente, no ronhónhó, a mania das ternuras, dos beijos, quem é que atura aquilo? Lembro-me de um sujeito que explicava
– o maior prazer que me dá ter relações com a minha mulher é pensar que durante uma semana estou safo
E depois pegam-nos na mão no cinema, encostam-se, colam-se, contam histórias sem interesse nenhum que nunca mais terminam, querem variar de restaurante, querem namoro, diminutivos, palermices e nós ali a aturá-las.
O Dinis Machado contava-me de um conhecedor que lhe aclarava as ideias
– as mulheres têm os fios desligados
E outro elucidou-me que eram como os telefones: avariam-se sem que se entenda a razão, emudecem, não funcionam e o remédio é bater com o aparelho na mesa pare que comecem a trabalhar outra vez. Meus Deus, que pena me dão as mulheres. Se informam
-já não gosto de ti
Se informam
-não quero mais
Aí estão eles alterarem a agressividade com a súplica, ora violentos, ora infantis, a fazerem esperas, a chorarem nos SMS a levantarem a mãozinha e, no instante seguinte a ameaçarem matar-se, a perseguirem, a insistirem, a fazerem figuras tristes, a escreverem cartas lamentosas e ameaçadoras, a entrarem pelo emprego dentro, a pegarem no braço, a sacudirem, a mandarem flores, eles que nunca mandavam a colocarem-se de plantão À porta dado que aquela p*** há-de ter outro e vai pagá-las, dispostos a partes-pagas, cenas ridículas, gritos. A miséria da maior parte dos casais, elas a sonharem com o Zorro, Che Guevara ou eu, e eles a sonharem com o decote da vizinha de baixo, de maneira, de maneira que ao irem para a cama são quatro: os dois que lá se deitam e os outros dois com quem sonham. Sinceramente as minhas filhas preocupam-me: receio que lhes caia na sorte um caramelo que passe À frente delas nas portas, não lhes abra o carro, desapareça logo a seguir por chichi-sede-fome-persianas-mal-descidas-e-os-ladrões-percebes, não se levante quando entram, comece a comer primeiro e um belo dia
(para citar noventa por cento dos escritores portugueses)
– O problema não está em ti está em mim a mexerem a faca na mesa ou a atormentarem a argola do guardanapo, cobardes como sempre. Não tenho nada contra os homens até gosto de alguns. Dos meus amigos. De Schubert. De Ovídio. De Horácio, de Vergílio. De Velásquez. De Rui Costa. De Einzenberger. Razoável a minha colecção. Não tenho nada contra os homens a não ser no que se refere às mulheres. E não me excluo: fui cobarde idiota, desonesto.
Fui
(espero que não muitas vezes)
rasca. Volta e meia surge-me na cabeça uma frase do Conrad em que ele comenta que tudo o que a vida nos pode dar é um certo conhecimento dela que chega tarde de mais. Resta-me esperar que ainda não seja tarde para mim. A partir de certa altura deixa de se jogar às cartas connosco mesmos e de fazer batota com os outros. O problema não está em ti está em mim, que extraordinária treta. Como os elogios que vêm logo depois: és inteligente, és sensível, és boa, és generosa, oxalá encontres etc…, que mulher não ouviu bugigangas destas? Uma mulher contou-me que o marido iniciou o discurso habitual
– mereces melhor que eu
levou com a resposta
– pois mereço. Rua.
Enfim, mais ou menos isto, e estou a ver a cara dele à banda. Nem uma lágrima para amostra. Rua. A mesma lágrima para amostra. Rua. A mesma amiga para uma amiga sua.
– o que faço às cartas de amor que me escreveu?
e a amiga sua
– Manda-lhas. Pode ser que façam falta.
Fazem de certeza: é só copiar mudando o nome. Perguntei à minha amiga
– E depois de ele se ir embora?
– Depois chorei um bocado e passou-me.
Ontem jantámos juntos. Fumámos um cigarro no automóvel dela, fui para casa e comecei a escrever isto. Palavra de honra que vi na janela uma árvore a sorrir-me. Podem não acreditar mas uma árvore a sorrir-me.»
jan 202016
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