(Carlos Carah – ilustração)
Anima – José Carlos Capinam
Existe uma menina onde meu coração é doce
Voz marítma selvagem eu guardo
o hálito da vítima o branco vestido e o traço
do rosto dramático, dela
do outro
e do meu um pedaço.
São colinas os cavalos
e todas as lagoas envenenadas de lua e sangue.
Eu quero morrer, como tenho medo
quero morrer me conhecendo como um touro indomável
Entre espadas e toureiro.
O meu destino partiu no expresso do meio-dia
e o meu consolo é amante da poesia.
Solitária atrás do muro a menina me acena e foge.
Seu nome escrito ninguém sabe
porque mente com o sentimento e averdade.
Quando ela me deitar entre auroras
E começar o martírio da ausência eu
Serei apenas o sábio que chora eu
Serei apenas o resto da madrugada eu
Serei infecundo e o sapo que salta entre o inverno
e a demora de nada.
Aqui estão os arcanjos:
o nome dele, sacrifício; o meu, clemência.
Na multidão a demência se anuncia
E eu grito entre meu gesto e o precipício.
Por que não digo
E não exalto a vertigem?
Por que não digo
que a minha juventude se fecha atrás do refúgio
de um poema?
O verso não me faz chorar nem me leva
entre os parentes e o morto que me aguarda
com seus dentes perfilados entre as cadeiras da sala
Silenciosa.
Só longe um pássaro.
Só perto a boca da deusa morta.
E no quarto as ambições do sexo
e a demora.
Há alguém na varanda que passeia.
Alguém que me ama e incendeia
no passado.
Não posso viajar e obtê-la.
Tenho que esperar a colheita da memória
E a safra da miséria.
E quando possível encontrá-la.
Não quero me dizer que sofro
dormir doente a madrugada.
Meu nome ela escreve sem doçura.
E na sua letra se percebe exata
a imagem amarga de meu corpo.
Rios de carne me afogaram.
Escaparam do naufrágio a namorada muda,
o pássaro incendiado e torto.
Ah minha namorada que me esquece com a minha própria alma.
Se eu soubesse, me manteria simples
como a folha, como a seiva, nada mais que a natureza.
Entretanto, penso – contra mim exerço e compreendo
que só por pensar sei o meu fim.
Ai de mim que era terno. Ai de mim, que era o vento.
Agora sou quem me espera.
Agora sou quem me atormenta.
Agora que me ausento e ando lento pra bem mais longe de mim
flores, vejo bem claro, molhadas ao vento.
Daqui a um tempo rebentarão e tudo será novo
menos para mim, que me despeço.
As flores não agüentam a presença da terra e arrebentam.
E eu não agüento morrer e me arrependo
(Ah ser apenas como as flores que só sabem nascer e morrer
e nada de sentimentos).
Há alguém na varanda que passeia
e não se detém.
É alguém para quem não sou.
É a noiva que passou no trem
Para quem a morte não vem.
Eu queria ser demente na varanda de meu pai
mijar nas flores, sorrir da lua como um louco
ou um cavalo.
E não saber a quem ponho fogo a quem recebo a quem falo
E não saber que adormeço
E não ter entre acordado e dormido os intervalos do sonho
sonhar sempre sem intervalo.
(Ah e não saber a quem esqueço)
E andar demente entre as visitas,
E andar dementes entre os acidentes
E andar demente entre as meninas que nos amaram.
Anda no passado o meu presente.
Do leito do acaso quero colher um amor amargo
ou obtê-lo no passado.
A menina que me conhece não me reclama.
Minha alma era mais vasta que a cama em que se deita
mas meu corpo era mais largo que a alma que rejeita.
Assim nossa dimensão é absurda
se mede na proporção da perda.
Espero que alguém entenda tudo
E quando eu passar não me esqueça.
Nem esqueça que um sentimento mudo é absurdo
E muito mais absurdo um ato que não se entenda
E que alguém pereça mudo porque fez como linguagem
a própria natureza.
Atrás de Deus está o espaço em que suas mãos
tateiam.
Lá passeiam meus vícios.
No escuro da eternidade escrevemos, nos exercemos
Esperando que a mão pesada nos encontre e precipite
Nos tire do equilíbrio clandestino, atrás Dele.
Sobre a ponte três vultos me acompanham:
um reclama, um me chama, outro me ama.
Ameaçam os campos, lastimam a chuva
um se curva
e aponta o horizonte.
O que me ama
apenas ele me precipita da ponte
E nas capas de seu martírio se faz forte e se esconde.
Na queda só perco o nome dos vultos e o meu nome
E sou levado do suplício para novas fontes.
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