jul 062014
 

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(Carlos Carah – ilustração)

Anima – José Carlos Capinam

Existe uma menina onde meu coração é doce

Voz marítma selvagem eu guardo

o hálito da vítima o branco vestido e o traço

do rosto dramático, dela

do outro

e do meu um pedaço.

 

São colinas os cavalos

e todas as lagoas envenenadas de lua e sangue.

Eu quero morrer, como tenho medo

quero morrer me conhecendo como um touro indomável

Entre espadas e toureiro.

 

O meu destino partiu no expresso do meio-dia

e o meu consolo é amante da poesia.

Solitária atrás do muro a menina me acena e foge.

Seu nome escrito ninguém sabe

porque mente com o sentimento e averdade.

Quando ela me deitar entre auroras

E começar o martírio da ausência eu

Serei apenas o sábio que chora eu

Serei apenas o resto da madrugada eu

Serei infecundo e o sapo que salta entre o inverno

e a demora de nada.

 

Aqui estão os arcanjos:

o nome dele, sacrifício; o meu, clemência.

Na multidão a demência se anuncia

E eu grito entre meu gesto e o precipício.

Por que não digo

E não exalto a vertigem?

Por que não digo

que a minha juventude se fecha atrás do refúgio

de um poema?

 

O verso não me faz chorar nem me leva

entre os parentes e o morto que me aguarda

com seus dentes perfilados entre as cadeiras da sala

Silenciosa.

Só longe um pássaro.

Só perto a boca da deusa morta.

E no quarto as ambições do sexo

e a demora.

 

Há alguém na varanda que passeia.

Alguém que me ama e incendeia

no passado.

Não posso viajar e obtê-la.

Tenho que esperar a colheita da memória

E a safra da miséria.

E quando possível encontrá-la.

 

Não quero me dizer que sofro

dormir doente a madrugada.

Meu nome ela escreve sem doçura.

E na sua letra se percebe exata

a imagem amarga de meu corpo.

 

Rios de carne me afogaram.

Escaparam do naufrágio a namorada muda,

o pássaro incendiado e torto.

Ah minha namorada que me esquece com a minha própria alma.

Se eu soubesse, me manteria simples

como a folha, como a seiva, nada mais que a natureza.

Entretanto, penso – contra mim exerço e compreendo

que só por pensar sei o meu fim.

Ai de mim que era terno. Ai de mim, que era o vento.

Agora sou quem me espera.

Agora sou quem me atormenta.

Agora que me ausento e ando lento pra bem mais longe de mim

flores, vejo bem claro, molhadas ao vento.

Daqui a um tempo rebentarão e tudo será novo

menos para mim, que me despeço.

As flores não agüentam a presença da terra e arrebentam.

E eu não agüento morrer e me arrependo

(Ah ser apenas como as flores que só sabem nascer e morrer

e nada de sentimentos).

 

Há alguém na varanda que passeia

e não se detém.

É alguém para quem não sou.

É a noiva que passou no trem

Para quem a morte não vem.

 

Eu queria ser demente na varanda de meu pai

mijar nas flores, sorrir da lua como um louco

ou um cavalo.

E não saber a quem ponho fogo a quem recebo a quem falo

E não saber que adormeço

E não ter entre acordado e dormido os intervalos do sonho

sonhar sempre sem intervalo.

(Ah e não saber a quem esqueço)

E andar demente entre as visitas,

E andar dementes entre os acidentes

E andar demente entre as meninas que nos amaram.

Anda no passado o meu presente.

Do leito do acaso quero colher um amor amargo

ou obtê-lo no passado.

A menina que me conhece não me reclama.

Minha alma era mais vasta que a cama em que se deita

mas meu corpo era mais largo que a alma que rejeita.

Assim nossa dimensão é absurda

se mede na proporção da perda.

 

Espero que alguém entenda tudo

E quando eu passar não me esqueça.

Nem esqueça que um sentimento mudo é absurdo

E muito mais absurdo um ato que não se entenda

E que alguém pereça mudo porque fez como linguagem

a própria natureza.

 

Atrás de Deus está o espaço em que suas mãos

tateiam.

Lá passeiam meus vícios.

No escuro da eternidade escrevemos, nos exercemos

Esperando que a mão pesada nos encontre e precipite

Nos tire do equilíbrio clandestino, atrás Dele.

 

Sobre a ponte três vultos me acompanham:

um reclama, um me chama, outro me ama.

Ameaçam os campos, lastimam a chuva

um se curva

e aponta o horizonte.

O que me ama

apenas ele me precipita da ponte

E nas capas de seu martírio se faz forte e se esconde.

 

Na queda só perco o nome dos vultos e o meu nome

E sou levado do suplício para novas fontes.

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