henriquesater

norte

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jan 212014
 

bussola

norte
alzira espíndola e itamar assumpção

viajo pro sul deixando o oeste
lá quando deixar deixo meu frete
isso quer dizer que meu norte é este
norte fica aí bem junto a ti
aquilo que eu nunca perdi
pelo norte sul nem leste oeste

tudo que pedi tu já me deste
mas meu amor é que acontece
que em volta tudo cresce
a cada dia o sol nasce

morre, nasce
morre, nasce.

a inspiração vem de onde?

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jan 142014
 

inspiracao

Pergunta para mim alguém
Respondo talvez de longe
De avião barco ou bonde?
Vem com meu bem de Belém
Vem com você neste trem
Das entrelinhas de um livro
Da morte de um ser vivo
Das veias de um coração
Vem de um gesto preciso
Vem de um amor vem do riso
Vem por alguma razão
Vem pelo sim pelo não

itamar assumpção e alzira espíndola

na voz de ney matogrosso e pedro luis

 

Entre cão e lobo

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jan 022014
 

lobo

Entre cão e lobo

Olga Orozco | Tradução: Henrique Sater

Clausuram-me em mim.
Dividem-me em dois.
Engendram-me cada dia na paciência
e um negro organismo ruge como o mar.
Me recortam depois com as tesouras do pesadelo
e caio neste mundo com metade do meu sangue de cada lado:
uma cara recortada até o fundo pelos caninos da fúria
e outra que se dissolve entre a nuvem das grandes manadas.
Não consigo saber quem é o senhor aqui.
Troco minha pele de cão para lobo.
Eu decreto a peste e atravesso com meus flancos em chamas das planícies do porvir e do passado;
eu tendo a roer os ossos de tantos sonhos mortos entre pastos celestes.
Meu reino está na minha sombra e vai comigo onde quer que eu vá,
ou se arruína com as portas abertas para a invasão do inimigo.
Cada noite eu destroço em dentadas todos os laços atados ao coração,
e cada amanhecer me encontro com minha jaula de obediência no lombo.
Se devoro meu deus, uso seu rosto debaixo da minha máscara
E todavia só bebo no bebedouro dos homens um doce veneno de piedade que raspa minhas entranhas
Trabalhei na competição das telas cruzadas da tapeçaria:
ganhei meu bastão de besta na tempestade
e recebi também tiras de delicadeza como troféu.
Mas: quem vence em mim?
Quem derrota meu bastão solitário no deserto, nas fronhas do sono?
E quem rói meus lábios, lentamente e no escuro, até meus próprios dentes?

parto

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dez 282013
 

parto(foto: aecoz)

parto do princípio

que parte da perda
tá posta
e a ponta da pêra
tá podre

mas

se a gota de ganho
dá gosto
a gente congela
o desgosto.

Henrique Sater – 27/12/2013

sobre uma poesia sem pureza

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dez 222013
 
pes(Foto: Rafael Stedile)

É muito conveniente, em certas horas do dia ou da noite, observar profundamente os objetos em descanso: as rodas que percorreram longas, poeirentas distâncias, suportando grandes cargas vegetais ou minerais, os sacos das carvoarias, os barris, as cestas, os cabos e asas dos instrumentos do carpinteiro. Deles se desprende o contato do homem e da terra como uma lição para o torturado poeta lírico. As superfícies usadas, o gasto que as mãos infligiram às coisas, a atmosfera frequentemente trágica e sempre patética destes objetos infunde uma espécie de atração não desprezível à realidade do mundo.

A confusa impureza dos seres humanos se percebe neles, o agrupamento, uso e desuso dos materiais, as marcas do pé e dos dedos, a constância de uma atmosfera humana inundando as coisas a partir do interno e do externo.

Assim seja a poesia que procuramos, gasta como um ácido pelos deveres da mão, penetrada pelo suor e pela fumaça, cheirando a urina e a açucena salpicada pelas diversas profissões que se exercem dentro e fora da lei.

Uma poesia impura como um traje, como um corpo, com manchas de nutrição, e atitudes vergonhosas, com pregas, observações, sonhos, vigília, profecias, declarações de amor e de ódio, bestas, arrepios, idílios, credos políticos, negações, dúvidas, afirmações, impostos.

A sagrada lei do madrigal e os decretos do tato, olfato, paladas, vista, ouvido, o desejo de justiça, o desejo sexual, o ruído do oceano, sem excluir deliberadamente nada, sem aceitar deliberadamente nada, a entrada na profundidade das coisas num ato de arrebatado amor, e o produto poesia manchado de pombas digitais, com marcas de dentes e gelo, roído talvez levemente pelo suor e pelo uso. Até alcançar essa doce superfície do instrumento tocado sem descanso, essa suavidade duríssima da madeira manejada pelo orgulhoso ferro. A flor, o trigo, a água têm também essa consistência especial, esse recurso de um magnífico tato.

E não nos esqueçamos nunca da melancolia, do gasto sentimentalismo, perfeitos frutos impuros de maravilhosa qualidade esquecida, deixados de lado pelo frenético livresco: a luz da lua, o cisne ao anoitecer, “vida minha” são sem dúvida o poético elementar e imprescindível. Quem foge do mau gosto cai no gelo.

Pablo Neruda

o desejo

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dez 172013
 

filmeazulcorquente-1510925

 
não é ventania
mas invade pela porta
 

não tem pontaria
onde bate me corta

 

mesmo sem alforria
cedo ou tarde, se solta
 

sem desejo, eu diria:
a pessoa tá morta.

amar não é

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nov 292013
 

Camisa 10

 

Amar não é só badalar o sino.
Amar não é só trocar os mimos.
Amar não é só compor um hino.
Nada impede que de vez em quando
amar vire um destino.
Gere meninas e meninos,
junte trapos e pepinos…
sopapos com tratos finos
entrelaçando intestinos.
Engula-se sapos e girinos
vomitando desatinos.
Amar não é só rimo ou não rimo.

Itamar Assumpção – Cadernos inéditos

nov 202013
 

soocomeco

cada dia que passa
um pouco endureço

parece que passa
ou é só o começo?

com o nada que faço
que eu não entristeço.

e tudo que peço
logo me esqueço.

na toada que caço
só tenho tropeço.

armado já nasço
desejo com gesso.

piada e trapaça
também tem seu preço.

estico meu braço
não sinto que cresço.

fumado um maço
a mente amorteço.

de passo em passo
não tenho endereço.

se não tiver graça
eu logo esmoreço.

se não tiver massa
eu nem apareço.

melhor ser com pressa
senão anoiteço.

só ouço desgraça
não sei se pertenço.

NÃO PASSA, NÃO PASSA!
e é só o começo.

Henrique Sater – 26/10/13

nenhum lugar da vida é mais triste que uma cama vazia

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nov 172013
 

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“Maria Alejandrina Cervantes, de quem dizíamos que só havia de dormir uma vez para morrer, foi a mulher mais elegante e mais terna que eu jamais conheci, e a mais completa na cama, mas também a mais severa. Tinha nascido e crescido aqui, e aqui vivia, numa casa de portas abertas com vários quartos de aluguer e um enorme pátio de baile com cabaças de luz compradas nos bazares chineses de Paramaribo. Foi ela quem estourou com a virgindade da minha geração. Ensinou-nos muito mais do que devíamos aprender, mas ensinou-nos acima de tudo que nenhum lugar da vida é mais triste do que uma cama vazia.”

Garcia Marquez – Crônica de uma morte anunciada