De ler no próprio destino
sem poder mudar-lhe a sorte…”
VOVÓ DEVIA TER AVISADO
tarde demais, tarde demais, a promoter que jogava ovos
podres nos travecos putas e camelôs das calçadas
de Copacabana descobriu que o carro zero
os contatos descolados o duplex quitado
e a convivência com celebridades não
impediriam o almoço dos vermes
no cemitério do caju
Ademir Assunção
ARMADURA EM CARNE MOLE
deus me salve da idade madura,
e me sirva o que passa, a brisa
que perdura, gesto escrito com
brasa, pintura além da moldura,
deus me salve, não me serve, o
amarelo que logo apodrece, a boca
coberta de musgo, não é isso
que almejo, os cravos de Cristo, o fraco
pulso do amortecido, persigo
o que persiste, no ontem,
no quando, no não-sei-onde, um
texto-percevejo, traça que rói
a couraça, torre de onde avisto
e percebo, o não-visto que sempre
provo, quanto menos prosa
trovo, a língua que travo
trinca, recolho vida em verso, e
transmuto treva em rosa
Ademir Assunção
do livro A voz do ventríloquo (2012)
minto que
sei ser mito
penso no que
nunca peço
mostro que
sei ser monstro
parto sem
nenhum pranto
mato sem
sujar meu manto
morro com
nada e pronto
ponto.
Henrique Sater – 04/02/2014
Hoje não tem nada disso, de ser feliz por aí
hoje eu não quero comicio, aqui
dentro de mim não existo, sinto que fui e parti
dos meus compromissos já me esqueci
hoje não tem nem perdão
nem pai, nem mãe, nem irmão
nada de ser guardião dos meus
hoje não tem solução e nem problemas também
nem rico, nem pobretão, nem vem
hoje não tem violão, não toco samba cançao
não quero nem discussão, nem vem.
Sérgio Sampaio
dois anos pra tentar se ajeitar
dois dias pra correr e desmontar
dos panos que eu botei pra secar
e as pias que eu ajudei a lavar.
das simples rimas que terminam em “ar”
das longas prosas que tiraram meu ar
das obras primas que eu não pude inventar
das belas rosas que eu esqueci de plantar.
dos canos que eu tentei consertar
das quinas que eu cansei de esbarrar
dois anos que eu não pude esperar
duas sinas que aprenderam a se amar.
Henrique Sater – 29 de janeiro de 2014
fico perguntando que que eu fiz de mal
choro parecendo juízo final
dívidas são tantas, milhares de broncas
prestação de contas, everybody now.
o que mais to lendo é nota fiscal
choro, vou sofrendo dor profissional
grito “de que adianta grana a contagotas?”
itamar é contra excesso de sal
excesso de sal.
se tô assistindo jornal nacional
choro soluçando, grito no plural
tô compondo mantras sobre minhas plantas
sobre chutas santas, sobre o escambau.
sigo remoendo pela capital
choro muito vendo assalto em sinal
coração aguenta, mas nem sou atleta
isso é uma afronta, isso é amoral
isso é amoral.
durmo desvairando noite de hospital
choro reclamando feito terminal
pago minhas contas, ninguém me desconta
nada me encanta nem o carnaval
não tô entendendo quantos são os paus pra canoa
eu choro remando contra o vendaval
engulo pimenta
não poupo a garganta
esse pó não assenta
o que é que eu fiz de mal?
fico perguntando: que que eu fiz de mal?
itamar assumpção e alzira espíndola
Surge do destino
no começo, parece um menino
muito quieto, franzino.
Prudente, sem alarde
Não machuca, não arde
Cresce toda manhã, não diminui de tarde.
Até que a ciência o desvenda
Ganha o fato, larga a lenda
É dito como encomenda
A conversa com o doutor
Dizem: precisa de amor
Diagnóstico terminal: tumor.
7/12/2009 – Henrique Sater
67-1556
todos nós
temos nossos problemas
alguns maiores
alguns menores, ele disse
noite negra negro dia
um príncipe negro e sua voz:
anúncios presságios quem sabe
negras profecias
sem amor sem dor sem temor
também não espero um sinal
hóstia partida
tribo desfeita (sinal no vento)
apenas danço e vejo
danço e vejo
ping-pong patético
nenhum abraço nesse estio (sinal dos tempos)
um telefone um número s.o.s.
um minúsculo vazio
entre um lado e o outro
do mesmo fio
Ademir Assunção
Poema do livro LSD Nô (1994)
(foto: mackincheese)
alma de papoula
lágrimas
para as cebolas
dez dedos de fada
caralho
de novo cheirando a alho
alice ruiz