Entre cão e lobo
Olga Orozco | Tradução: Henrique Sater
Clausuram-me em mim.
Dividem-me em dois.
Engendram-me cada dia na paciência
e um negro organismo ruge como o mar.
Me recortam depois com as tesouras do pesadelo
e caio neste mundo com metade do meu sangue de cada lado:
uma cara recortada até o fundo pelos caninos da fúria
e outra que se dissolve entre a nuvem das grandes manadas.
Não consigo saber quem é o senhor aqui.
Troco minha pele de cão para lobo.
Eu decreto a peste e atravesso com meus flancos em chamas das planícies do porvir e do passado;
eu tendo a roer os ossos de tantos sonhos mortos entre pastos celestes.
Meu reino está na minha sombra e vai comigo onde quer que eu vá,
ou se arruína com as portas abertas para a invasão do inimigo.
Cada noite eu destroço em dentadas todos os laços atados ao coração,
e cada amanhecer me encontro com minha jaula de obediência no lombo.
Se devoro meu deus, uso seu rosto debaixo da minha máscara
E todavia só bebo no bebedouro dos homens um doce veneno de piedade que raspa minhas entranhas
Trabalhei na competição das telas cruzadas da tapeçaria:
ganhei meu bastão de besta na tempestade
e recebi também tiras de delicadeza como troféu.
Mas: quem vence em mim?
Quem derrota meu bastão solitário no deserto, nas fronhas do sono?
E quem rói meus lábios, lentamente e no escuro, até meus próprios dentes?