escuto algumas vezes, outras não

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jul 032013
 

“Não, não é conto. Sou apenas um sujeito que escuta algumas vezes, que outras não escuta, e vai passando. Naquele dia escutei, certamente porque era a amiga quem falava. É doce ouvir os amigos, ainda quando não falem, porque amigo tem o dom de se fazer compreender até sem sinais. Até sem olhos.”

Drummond

Os teus seis anos de permanente miséria não passaram em vão.

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out 122012
 

“Escuta, Iegor Pietróvitch – disse o amigo – o que você faz consigo mesmo? Na realidade, apenas se destrói com o seu desespero; você não tem paciência, nem coragem. Diz agora, num acesso de desânimo, que não tem talento. Não é verdade! Você tem talento, eu lhe assegura. Ele existe em você. Eu vejo isto pelo simples modo como sente e compreende a arte. Vou demonstrar isso com a tua própria vida. Você mesmo me contou como tinha vivido antes. Então você foi vítima, inconscientemente, do mesmo desespero. Foi quando o teu primeiro professor, aquele homem estranho de quem me falaste tanto, despertou em ti, pela primeira vez, o amor à arte e adivinhou o teu talento. Então você o sentiu com a mesma intensidade e angústia com que o está sentindo agora. Mas você mesmo não sabia o que estava acontecendo contigo. Não conseguia viver em casa do proprietário e você mesmo não sabia o que pretendia. O teu professor morreu cedo demais. Deixou-te com aspirações ainda indefinidas e, sobretudo, não te revelou a ti mesmo. Você sentia que precisava de outro caminho, mais largo, que te estavam destinados outros objetivos, mas você não compreendia como isto se realizaria e, na sua angústia, você passou a odiar tudo quanto te cercava. Os teus seis anos de permanente miséria não passaram em vão; você estudava, nessa época, pensava, adquiria consciência de si mesmo e de suas forças, e agora você compreende a arte e a tua destinação. Meu amigo, é preciso ter paciência e coragem. Espera-te uma sorte mais invejável que a minha: você é cem vezes mais artista do que eu; mas que Deus te dê, pelo menos, um décimo da minha paciência. Estude e não beba, como te dizia aquele bom proprietário, e, principalmente, começa tudo de novo, pelo a-bê-cê. O que te aflige? A pobreza, a indigência? Mas a pobreza e a indigência formam um artista. Elas são inevitáveis, no início. Por enquanto, você não é necessário a ninguém; ninguém quer saber de você; assim é o mundo. Espere, e mais coisas acontecerão quando souberem o que você vale. A inveja, a mesquinhez, a ignomínia e, sobretudo, a estupidez vão pressiona-lo mais que a miséria. O talento precisa de simpatia, necessita ser compreendido, mas você verá que semblantes hão de rodear-te quando você atingir ainda que uma ínfima parte do objetivo. Hão de amesquinhar e olhar com desprezo aquilo que você conseguiu à custa de um trabalho árduo, de privações, de fome e de noites de vigília. Os teus companheiros futuros não te animarão, nem hão de consolar-te; não apontarão em você aquilo que tem de bom e de verdadeiro. Mas, com maldosa alegria, destacarão cada erro teu, e hão de te mostrar justamente aquilo que você tem de ruim, aquilo em que se engana e, sob uma aparência de indiferença e desprezo, festejarão cada um dos teus erros (como se existisse alguém infalível). Quanto a você, é arrogante e, muitas vezes, inoportunamente orgulhoso, e te arriscas sempre a ofender alguma nulidade inflada de amor-próprio. Será esse o teu mal; ficarás sozinho contra muitos e vão supliciar-te com alfinetadas. Eu próprio começo a experimentar isso. Anime-se agora! Você ainda não está muito empobrecido, pode ganhar a vida, não despreze o trabalho braçal, vá rachar lenha, como eu rachava nas festinhas de artesãos pobres. Mas você é impaciente, está doente à força de impaciência, não tem suficiente simplicidade, fica maquinando coisas em excesso, pensa demais e faz trabalhar muito a cabeça; você é audacioso em palavras, mas treme quando se trata de empunhar o arco do violino. Tem demasiado amor-próprio, mas escassa coragem. Seia mais ousado, espere, estude e, se não confia em suas forças, atire-se ao acaso; você tem ardor, sentimento. Talvez atinja deste modo o objetivo, mas, caso contrário, avance assim mesmo, ao acaso: de qualquer modo, não perderá, pois o ganho é sempre grande. Sim, o nosso caso, irmão, tem algo de grandioso.”

Niétotchka Niezvânova – Dostoiévski

(enviado por um amigo)

Das novas idéias

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maio 272012
 

“A dispersão não lhes tira a unidade, nem a inquietude a constância.” Assim Machado de Assis descreveu o vento. Mário Quintana aproveitou e aplicou-a aos poetas.

Dispersão e inquietude são características geralmente pejorativas. Principalmente, em dias que se espera concentração e serenidade. Não concentração opcional, concentração apenas naquilo que é importante. Não serenidade atingida, serenidade apenas necessária e involuntária.

Espera-se da poesia que se limite ao registro de sentimentos, espera-se do vento que se limite à brisa fresca.

Esquecemos do poder de novas palavras, ou ainda, do poder de velhas palavras em novos lugares. Mas novos lugares às vezes são inatingíveis com brisas frescas, são inatingíveis com tanta concentração, tanta serenidade.

Dispersos e inquietos, encontraremos as novas palavras e os novos lugares. E novas palavras em novos lugares, por mais desacostumados que estejamos, são NOVAS IDÉIAS.
Quem nos dá o direito de ter novas idéias? Nem nós mesmos, quando nos forçamos à autocrítica por estarmos “sonhando demais”. Quando insistimos em tê-las, somos duramente inibidos pela mecanização e imposição das idéias antigas.

Mas de que adiantas as idéias, sem homens e mulheres para pô-las em prática? De que adiantam a dispersão e a inquietude, sem a unidade e a constância?

Exploremos a constância de nossa unidade, aproveitando novos ventos para conhecer e por em práticas as novas palavras. As novas idéias.

Henrique Sater – 03/02/2010