“Escuta, Iegor Pietróvitch – disse o amigo – o que você faz consigo mesmo? Na realidade, apenas se destrói com o seu desespero; você não tem paciência, nem coragem. Diz agora, num acesso de desânimo, que não tem talento. Não é verdade! Você tem talento, eu lhe assegura. Ele existe em você. Eu vejo isto pelo simples modo como sente e compreende a arte. Vou demonstrar isso com a tua própria vida. Você mesmo me contou como tinha vivido antes. Então você foi vítima, inconscientemente, do mesmo desespero. Foi quando o teu primeiro professor, aquele homem estranho de quem me falaste tanto, despertou em ti, pela primeira vez, o amor à arte e adivinhou o teu talento. Então você o sentiu com a mesma intensidade e angústia com que o está sentindo agora. Mas você mesmo não sabia o que estava acontecendo contigo. Não conseguia viver em casa do proprietário e você mesmo não sabia o que pretendia. O teu professor morreu cedo demais. Deixou-te com aspirações ainda indefinidas e, sobretudo, não te revelou a ti mesmo. Você sentia que precisava de outro caminho, mais largo, que te estavam destinados outros objetivos, mas você não compreendia como isto se realizaria e, na sua angústia, você passou a odiar tudo quanto te cercava. Os teus seis anos de permanente miséria não passaram em vão; você estudava, nessa época, pensava, adquiria consciência de si mesmo e de suas forças, e agora você compreende a arte e a tua destinação. Meu amigo, é preciso ter paciência e coragem. Espera-te uma sorte mais invejável que a minha: você é cem vezes mais artista do que eu; mas que Deus te dê, pelo menos, um décimo da minha paciência. Estude e não beba, como te dizia aquele bom proprietário, e, principalmente, começa tudo de novo, pelo a-bê-cê. O que te aflige? A pobreza, a indigência? Mas a pobreza e a indigência formam um artista. Elas são inevitáveis, no início. Por enquanto, você não é necessário a ninguém; ninguém quer saber de você; assim é o mundo. Espere, e mais coisas acontecerão quando souberem o que você vale. A inveja, a mesquinhez, a ignomínia e, sobretudo, a estupidez vão pressiona-lo mais que a miséria. O talento precisa de simpatia, necessita ser compreendido, mas você verá que semblantes hão de rodear-te quando você atingir ainda que uma ínfima parte do objetivo. Hão de amesquinhar e olhar com desprezo aquilo que você conseguiu à custa de um trabalho árduo, de privações, de fome e de noites de vigília. Os teus companheiros futuros não te animarão, nem hão de consolar-te; não apontarão em você aquilo que tem de bom e de verdadeiro. Mas, com maldosa alegria, destacarão cada erro teu, e hão de te mostrar justamente aquilo que você tem de ruim, aquilo em que se engana e, sob uma aparência de indiferença e desprezo, festejarão cada um dos teus erros (como se existisse alguém infalível). Quanto a você, é arrogante e, muitas vezes, inoportunamente orgulhoso, e te arriscas sempre a ofender alguma nulidade inflada de amor-próprio. Será esse o teu mal; ficarás sozinho contra muitos e vão supliciar-te com alfinetadas. Eu próprio começo a experimentar isso. Anime-se agora! Você ainda não está muito empobrecido, pode ganhar a vida, não despreze o trabalho braçal, vá rachar lenha, como eu rachava nas festinhas de artesãos pobres. Mas você é impaciente, está doente à força de impaciência, não tem suficiente simplicidade, fica maquinando coisas em excesso, pensa demais e faz trabalhar muito a cabeça; você é audacioso em palavras, mas treme quando se trata de empunhar o arco do violino. Tem demasiado amor-próprio, mas escassa coragem. Seia mais ousado, espere, estude e, se não confia em suas forças, atire-se ao acaso; você tem ardor, sentimento. Talvez atinja deste modo o objetivo, mas, caso contrário, avance assim mesmo, ao acaso: de qualquer modo, não perderá, pois o ganho é sempre grande. Sim, o nosso caso, irmão, tem algo de grandioso.”
Niétotchka Niezvânova – Dostoiévski
(enviado por um amigo)